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Notícia

Implicações do Tema 1.226 do STJ em casos envolvendo contribuições previdenciárias

O presente artigo verifica se essa decisão também encerrou a discussão sobre a tributação das contribuições previdenciárias, considerando recente precedente do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf)

Os planos de opção de compra de ações — stock option plan (SOP) — são instrumentos de remuneração variável que visam incentivar o desempenho e a fidelidade dos empregados e administradores de uma empresa, concedendo-lhes o direito de adquirir ações da companhia por um preço pré-fixado, geralmente inferior ao valor de mercado, em um prazo determinado.

A tributação desses planos, tanto no âmbito do Imposto de Renda quanto das contribuições previdenciárias, tem gerado controvérsias e insegurança jurídica, especialmente em relação à natureza jurídica das opções, ao momento da tributação e à base de cálculo da incidência tributária.

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça julgou, sob o rito dos recursos repetitivos, o Tema 1.226, que definiu a natureza jurídica dos SOP e a alíquota e o momento de incidência do IR sobre os valores recebidos pelos beneficiários.

O presente artigo verifica se essa decisão também encerrou a discussão sobre a tributação das contribuições previdenciárias, considerando recente precedente do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).

Tema 1.226 do STJ
O Tema 1.226 do STJ foi definido a partir da afetação dos Recursos Especiais nº 2.069.644/SP e nº 2.074.564/SP, que tratavam da seguinte questão: “definir a natureza jurídica dos Planos de Opção de Compra de Ações de companhias por executivos (stock option plan), se atrelada ao contrato de trabalho (remuneração) ou se estritamente comercial, para determinar a alíquota aplicável do imposto de renda, bem assim o momento de incidência do tributo”.

O julgamento ocorreu em 11 de setembro de 2024, sob a relatoria do ministro Sérgio Kukina, que fixou as seguintes teses:

“a) No regime do Stock Option Plan (art. 168, § 3º, da Lei n. 6.404/1976), porque revestido de natureza mercantil, não incide o imposto de renda pessoa física/IRPF quando da efetiva aquisição de ações, junto à companhia outorgante da opção de compra, dada a inexistência de acréscimo patrimonial em prol do optante adquirente.

b) Incidirá o imposto de renda pessoa física/IRPF, porém, quando o adquirente de ações no Stock Option Plan vier a revendê-las com apurado ganho de capital.”

O ministro relator entendeu que o SOP não pode ter natureza salarial, pois o empregado paga para exercer o direito de opções, não sendo algo que lhe é concedido gratuitamente pelo empregador, o que representaria um adicional. A natureza jurídica da opção de compra de ações é mercantil, embora feita durante o contrato de trabalho, pois representa mera compra e venda de ações.

Assim, no momento da opção pela aquisição das ações, ainda que ofertadas com valor inferior ao do mercado financeiro, não há “renda” ou “acréscimo patrimonial” na definição própria de direito tributário para a ocorrência do fato gerador do imposto sobre a renda. O que se tem, nesse momento, é simplesmente o optante exercendo um direito que a ele foi ofertado (de aquiescer com a compra de ações nos moldes estabelecidos no SOP), somado ao dispêndio necessário para a aquisição do bem (a ação), pelo valor preestabelecido.

Logo, considerando que se está diante de “compra e venda de ações” propriamente dita, cuja natureza é estritamente mercantil, a incidência do imposto de renda dar-se-á sob a forma de ganho de capital, quando ocorrer a alienação com lucro do bem.

O ministro relator também afastou a aplicação da analogia com o artigo 23 da Lei nº 9.250/95, que trata da tributação dos lucros e dividendos distribuídos aos sócios ou acionistas de pessoas jurídicas, por entender que se trata de situações distintas, já que no SOP o empregado não é sócio da empresa, mas apenas adquirente de ações.

O voto do ministro relator foi acompanhado pela maioria dos ministros da 1ª Seção, vencida a ministra Maria Thereza de Assis Moura, que divergiu quanto à natureza jurídica do SOP e à inexistência de acréscimo patrimonial na aquisição das ações. Para a ministra, o SOP tem natureza remuneratória, pois visa recompensar o trabalho dos beneficiários, alinhando seus interesses aos da empresa, e gerar uma vantagem econômica, que se concretiza na diferença entre o preço de exercício e o valor de mercado das ações. Assim, a ministra entendeu que deveria incidir IRPF sobre essa diferença, na data do exercício da opção, como rendimento do trabalho assalariado.

Após rejeição dos Embargos de Declaração, em 5 de fevereiro de 2025, a Fazenda Nacional interpôs um recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal. O recurso já foi devidamente contrarrazoado e aguarda exame de admissibilidade.

Discussão sobre contribuições previdenciárias
A decisão do STJ no Tema 1.226, embora tenha resolvido a controvérsia sobre o IRPF, não abordou diretamente a discussão sobre a tributação das contribuições previdenciárias sobre os valores recebidos pelos beneficiários dos SOP.

As contribuições previdenciárias têm como fato gerador o pagamento de remuneração aos segurados empregados, trabalhadores avulsos e contribuintes individuais que prestem serviços à empresa, conforme os artigos 20, 21 e 22 da Lei nº 8.212/91. O IRPF, por sua vez, tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou de proventos de qualquer natureza, conforme o artigo 43 do Código Tributário Nacional (CTN).

Apesar das diferenças entre os tributos, é razoável supor que as razões de decidir do STJ no Tema 1.226 deveriam ser aplicadas também à tributação das contribuições previdenciárias. A decisão do STJ estabeleceu que os planos de stock options têm natureza mercantil, uma vez que o empregado paga para exercer o direito de opções, não havendo, portanto, uma contraprestação pelo trabalho/retributividade. Esse entendimento deveria ser considerado ao analisar a incidência das Contribuições Previdenciárias, pois a natureza mercantil dos SOP impede a sua caracterização como remuneração.

No entanto, não é isso que se observa na discussão a respeito da tributação das contribuições previdenciárias sobre os SOP ainda em curso no âmbito do Carf, que é o órgão administrativo competente para julgar os recursos contra as autuações fiscais da Receita Federal. Recentemente, o Carf julgou um caso envolvendo uma instituição financeira que questionava a exigência de contribuições previdenciárias sobre os valores decorrentes dos SOP concedidos aos seus empregados e administradores.

O acórdão [1], proferido em 6 de novembro de 2024, negou provimento ao recurso do contribuinte, por maioria de votos, entendendo que as stock options têm caráter remuneratório e, portanto, estão sujeitas a contribuições previdenciárias.

A conselheira Ana Claudia de Borges de Oliveira, em seu voto, defendeu a aplicação do Tema 1.226 do STJ, argumentando que a ratio decidendi do precedente é de observância obrigatória no âmbito do Carf. Ela destacou que a natureza mercantil dos SOP, conforme definido pelo STJ, impede a incidência de contribuições previdenciárias, pois o empregado paga para exercer o direito de opções, não havendo contraprestação pelo trabalho. A conselheira enfatizou que a análise individualizada dos planos de stock options deve considerar a liberdade de adesão, a onerosidade e a existência de risco de mercado, elementos que caracterizam a natureza mercantil e afastam a natureza remuneratória.

Também argumentou que, ao pagar para exercer o direito de opções, o empregado não está recebendo uma vantagem econômica gratuita do empregador, mas sim realizando uma transação mercantil. Essa posição é crucial, pois a caracterização de uma transação como mercantil ou remuneratória tem implicações diretas na incidência de tributos. No caso das stock options, a ausência de gratuidade e a presença de risco de mercado reforçam a natureza mercantil da operação, afastando a incidência de contribuições previdenciárias.

Por fim, ressaltou que a decisão do STJ no Tema 1.226 estabeleceu um precedente vinculante que deve ser observado pelo Carf. A ratio decidendi do STJ, deve ser aplicada de forma consistente, a fim de garantir a segurança jurídica e a uniformidade na interpretação das normas tributárias.

Por outro lado, a conselheira Sonia de Queiroz Accioly, em seu voto vencedor, afastou a aplicação do Tema 1.226 do STJ, argumentando que se trata de tributos distintos, com fatos geradores e bases de cálculo diferentes. Ela defendeu que a natureza mercantil dos SOP não afasta a sua natureza remuneratória, pois se trata de uma forma de retribuição pelo trabalho prestado, que gera uma vantagem econômica ao beneficiário. Essa interpretação, no entanto, contraria a decisão do STJ e gera controvérsia sobre a correta interpretação da natureza das stock options.

Esse raciocínio prevaleceu, resultando na manutenção do crédito tributário e na derrota do contribuinte na discussão. A decisão majoritária do Carf, ao afastar a aplicação do Tema 1.226 do STJ, reforça a necessidade de os contribuintes que utilizam os SOP como forma de remuneração variável estarem atentos aos desdobramentos da matéria, tanto no STF quanto no Carf. É essencial que analisem cada caso com atenção, considerando as peculiaridades dos planos, os argumentos das partes, as provas produzidas e os precedentes aplicáveis. Somente assim, poderão se defender adequadamente de eventuais exigências fiscais indevidas ou buscar a restituição de valores pagos a maior.

Conclusão
A definição, pelo STJ, da natureza mercantil dos planos de stock options no julgamento do Tema 1.226 representa um avanço relevante na construção de uma jurisprudência mais técnica e aderente às características jurídicas e econômicas desses instrumentos. Ao reconhecer que a aquisição de ações pelo beneficiário, mediante pagamento, não configura acréscimo patrimonial imediato, o tribunal reafirma a importância de diferenciar, com precisão, os institutos mercantis das figuras típicas de remuneração pelo trabalho.

Esse entendimento, ainda que voltado à esfera do imposto de renda, fornece fundamentos sólidos para a reavaliação da incidência das contribuições previdenciárias sobre os valores relacionados aos SOP. A análise dos elementos caracterizadores — como voluntariedade, onerosidade e risco — é essencial para evitar interpretações automáticas e descoladas da realidade contratual, especialmente em um contexto de crescente sofisticação dos instrumentos de remuneração nas estruturas empresariais.

A posição recentemente adotada pela maioria do Carf, ao afastar os efeitos vinculantes do Tema 1.226, acende um alerta sobre os riscos da fragmentação jurisprudencial e da insegurança que dela decorre. Em um ambiente de elevada litigiosidade tributária, o respeito à ratio decidendi dos precedentes dos tribunais superiores é peça-chave para garantir coerência, previsibilidade e justiça fiscal.

Diante disso, ainda que a discussão sobre as contribuições previdenciárias siga aberta e dependa de uma análise casuística, é desejável que os julgamentos futuros reflitam o cuidado técnico demonstrado pelo STJ e considerem, com a devida atenção, os contornos específicos de cada plano. A convergência interpretativa, pautada por critérios objetivos e por uma visão sistêmica da tributação da remuneração variável, é fundamental para que se alcance um equilíbrio entre a arrecadação e os direitos dos contribuintes.

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[1] Acórdão 2202-011.088 – 2ª Seção, 2ª Câmara, 2ª Turma Ordinária